segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Lições de Gandhi Para o Século 21

Texto enviado pelo amigo Régis Alves de Souza
Publicado no Jornal “A Notícia”, de Santa Catarina.(03/02/2008)

Sessenta anos depois do seu assassinato em 1948, a sabedoria pacífica de “Mahatma” Gandhi é hoje cada vez mais atual, e mais necessária.

Em 2008, enquanto ouve falar sobre a vaga idéia de um desenvolvimento sustentável, o cidadão brasileiro assiste ao nascimento prático de uma crise ecológica global de proporções inéditas. Se buscarmos, porém, pela chave-mestra que permite construir uma economia saudável, veremos que ela está no abandono do consumismo desinformado, e na adoção da boa e velha simplicidade voluntária ensinada por Mahatma Gandhi. Nisso, como em outras coisas, Gandhi coincidiu com os líderes das grandes religiões e filosofias de todos os tempos – inclusive Jesus, Buda, Pitágoras e Lao-tzu.

Inovador, Mohandas Gandhi questionava a civilização consumista. Ele escreveu:

“Duvido que a idade do aço seja um progresso em relação à idade da pedra talhada. Não tenho preferência nem por uma nem por outra. É à evolução da alma que devemos consagrar nossa inteligência e todas as nossas faculdades”.

E ainda:

“Os sistemas econômicos que negligenciaram fatores morais e sentimentais são como estátuas de cera: parecem vivas e no entanto falta a elas ser de carne e osso”. [1]

Ele pensava que o dinheiro não deve ser tratado como Deus, nem o ser humano como coisa. Sua religião era universal: admirava o hinduísmo, o cristianismo e o islamismo. Na luta pela independência da Índia, Gandhi criou o movimento Satyagraha, uma palavra composta que significa “firmeza na verdade”. Foi com base neste conceito que ele promoveu a grande luta contra a dominação inglesa.

Na Amazônia, o conceito de Satyagraha foi adaptado pelo seringueiro Chico Mendes, que promovia “empates” – confrontos não-violentos – para interromper a destruição da floresta. Tais lutas requerem auto-sacrifício, e não é por acaso que Chico Mendes foi, como Gandhi, morto com tiros à queima-roupa.

Gandhi escreveu: “Satyagraha não é outra coisa senão a austeridade necessária para buscar a verdade”. E acrescentou: “a verdade é dura como o diamante e frágil como a flor do pessegueiro”. Para ele, buscar a verdade era, de um lado, renunciar aos caminhos já trilhados; e de outro, ouvir a voz da própria consciência. Ele explicou: “O erro não se torna verdade porque se propaga e se multiplica; a verdade não se torna erro pelo fato de ninguém a conhecer.” [2]

Pouco antes da sua morte, Gandhi fez uma autocrítica severa. Reconheceu que errara ao dedicar mais energia à luta contra os ingleses do que a estimular a economia solidária. Depois do seu assassinato, um dos seus discípulos mais próximos, Vinoba Bhave, iniciou o movimento Gramdan (palavra composta que significa “doação às aldeias”).

Vinoba percorreu o país a partir de 1951. Em 1953, passou a receber de latifundiários doações para as comunidades de trabalhadores sem terra. Na província de Telangana (no atual estado de Andra Pradesh), Vinoba obteve cerca de 42 hectares de um grande proprietário. O bom exemplo foi seguido por muitos. Em 1965 os gram-dans, povoados com terras doadas, eram mais de 80 mil. Em todos os casos, as terras comuns eram administradas pela assembléia comunitária local. Entre as conseqüências benéficas do processo estavam o desaparecimento da criminalidade e a redução dos conflitos entre famílias.[3]

Qual a grande lição prática que o Brasil e o mundo do século 21 devem aprender da filosofia de Gandhi? Simples. O espírito comunitário, a economia solidária e a simplicidade voluntária são elementos centrais para o progresso e a democracia verdadeiros. Esta lição não é utópica nem impraticável. Consciente ou inconscientemente, os exemplos de Gandhi e Vinoba estão sendo seguidos. Desde os anos 1990 é costume, entre bilionários e milionários da Europa e dos EUA, doar em vida as suas fortunas para causas nobres. Bill Gates e sua esposa, que possuíam 65 bilhões de dólares, são um exemplo entre muitos. O casal já doou 22 bilhões de dólares, e irá doar em vida quase toda sua fortuna para diversas causas sociais.

No Brasil, é possível que setores crescentes da sociedade optem por resgatar a vocação solidária do nosso país e adotar em escala cada vez maior a simplicidade voluntária. Santa Catarina parece ser uma região de vanguarda neste processo ainda iniciante, mas que poderá destruir – pela força do exemplo – as raízes da corrupção e da violência.

NOTAS:
[1] “Cartas ao Ashram”, Gandhi, Ed. Hemus, SP, 124 pp., ver p. 15.
[2] As diversas citações deste parágrafo estão em “Cartas ao Ashram”, obra citada, p. 86.
[3] Veja-se o folheto Vinoba, Um Seguidor de Gandhi, um texto de Devi Prasad editado pela revista Pensamento Ecológico em São Paulo em janeiro de 1983, 44 pp. O mesmo texto fora publicado no início dos anos 1970 na Argentina pela revista Problemas Humanos, Cuadernos Trimestrales , de Buenos Aires, em uma edição de 34 pp.

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